RÁDIO GOSPEL

              

 

 

 

 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

AS CONFISSÕES DE UM ATEU SINCERO (FINAL)

IGREJA BATISTA REDENÇÃO


As pessoas que acreditam em Deus dizem que os ateus são ou pessoas infelizes ou gente má. Dizem que são infelizes porque não há felicidade sem Deus. Dizem que são más porque quem não crê em Deus não tem temor dele e aí acaba praticando perversidades. Discordo plenamente desses pareceres. Eu sou ateu e não sou uma pessoa má. Na verdade, sem querer me enaltecer, acho que sou melhor do que muitos cristãos. Se bem que devo reconhecer que há muita gente que se diz cristã e vive bem longe dos ensinos de Jesus. O Luiz (aquele meu colega de faculdade) chamava essas pessoas de “cristãos nominais”. Agora, sempre que entro numa igreja para assistir a um casamento ou a qualquer outra coisa, penso comigo: “Será que sou um ‘ateu nominal’?” (hehehe).
Voltando ao assunto, tampouco sou um homem infeliz. O que tem acontecido comigo ultimamente é que estou atravessando aquela crise comum às pessoas que beiram os quarenta. Sabem como é... A gente não sente muito entusiasmo. As coisas perdem a graça. As novidades não empolgam tanto como antes. No meio dessa crise também sou acometido eventualmente de um sentimento intenso de angústia. É como se, às vezes, se abrisse um deserto ou um abismo em mim. Não sei explicar. É uma coisa silenciosa, imóvel, uma espécie de paisagem morta que me envolve por dentro. Isso me sobrevém sem aviso, não importa o lugar ou a situação em que eu me encontre. Acontece em festas e velórios; quando estou sozinho ou quando há uma multidão barulhenta ao redor. É bem provável que eu esteja com algum desequilíbrio hormonal. Só pode ser. Já marquei uma consulta médica.
Penso às vezes na hipótese disso tudo ser decorrente também da mesmice em que minha vida caiu. Aos 38 anos, tenho de me desincumbir de sérias responsabilidades e isso gera rotinas entediantes. E não estou falando só do trabalho. Meu casamento também caminha num ritmo moroso em que nós dois não temos mais muita disposição para grandes e vibrantes aventuras. Acho que me casei muito cedo e a fase de paixão impetuosa passou mais depressa do que eu esperava. Creio, assim, que preciso de mais emoção na vida. Será que se eu arrumasse outra mulher...
Nenhuma dessas coisas, porém, pode ser usada para me definir como um homem infeliz. Isso seria um grande exagero. Até porque, acreditem: eu sou um cara bastante divertido. Aliás, nesse ponto vejo também o valor do ateísmo. Eu explico. O ateísmo realmente me proporciona momentos de muito riso e distração, fornecendo o contexto em que eu posso expressar o meu lado “descolado” e brincalhão. Por exemplo, até pouco tempo atrás eu participava de salas de chat entre ateus na Internet e era muito legal quando um fanático religioso se intrometia nas conversas da gente para nos criticar. Como eu ria nessas horas com todas as ironias e “blasfêmias” (Ohhh) que dizíamos para o coitado!
Também por seu ateu, eventualmente me entrego ao luxo de me entreter provocando pessoas religiosas que conheço (especialmente meus alunos adolescentes). Geralmente eu digo a elas: “Se um Deus bom existisse não haveria tanto sofrimento no mundo”. Notem bem: eu nunca liguei para o sofrimento do mundo. Na verdade, confesso que nunca movi uma palha sequer para reduzir o sofrimento de ninguém. Acho que cada um tem sua carga de problemas e defende o seu lado. É a lei da sobrevivência. É desse jeito que eu penso. Mesmo assim, gosto de provocar os fanáticos com esse meu “argumento fatal” sobre Deus e o sofrimento. Acho engraçado vê-los balbuciando tentativas de respostas e ficando nervosos quando assumo um ar zombeteiro para, logo em seguida, menear a cabeça sorrindo. É uma glória pra mim!
O ateísmo também me traz momentos agradáveis por gerar situações inusitadas no meu dia-a-dia. Lembro-me de uma em especial que foi demais! Eu já disse que tenho uma filha de onze anos. O nome dela e Ana Lúcia. Quando ela tinha sete aninhos, uma vizinha crente pediu para levá-la num programa infantil da sua igreja, dizendo que haveria histórias, brincadeiras e lanche. A Lu insistiu muito e nós permitimos que ela fosse. Não demorou muito pra ela chegar em casa carregando um monte de figuras da arca de Noé, de Davi e Golias e de Jesus andando sobre a água. Ela também chegou falando sem parar do que tinha visto na igreja. Ficava cantarolando as músicas que aprendera e repetia pedaços da Bíblia que tinha decorado com a ajuda de uma professora.
Isso me deixou muito preocupado. Então proibi minha filha de voltar e expliquei para ela numa linguagem própria para crianças que religião era coisa perigosa, pois tornava as pessoas preconceituosas, intolerantes e cegas para a realidade. A Lu ficou um pouco triste, mas entendeu e não pediu mais pra ir à igreja.
Depois de algum tempo minha filha me contou que havia uma menina na classe dela que era crente. “Pai” — disse indignada — “Ela disse que acredita em Adão e Eva! Tem que ser muito idiota. Que burra!”. Nós achamos muito engraçado o jeito da Lu falar. Então perguntamos: “E o que você disse pra ela?”. A resposta da Lu foi hilariante: “Eu não briguei. Eu só falei sai capeta!’”. Eu e minha esposa quase morremos de tanto rir.
A Lu é mesmo demais! Eu sou o fã número um dela. Que menininha esperta e perspicaz! E como é linda! Pode parecer piegas, mas não posso deixar de dizer: Ela é a luz da minha vida. Eu a amo tanto que até dói... Está bem, está bem... Eu relutei bastante, mas vou abrir o jogo. Afinal, estou escrevendo algumas confissões. Tenho que ser sincero. Eu tenho um pensamento sobre a Lu que muitas vezes atravessa abruptamente o meu coração provocando uma aflição breve, mas indescritível. Lá vai: A Lu é só matéria. Na melhor das hipóteses ela é apenas um espécimen desenvolvido da família dos primatas.
Nos momentos de maior ternura que vivemos, quando cheio de afeto a observo ocupada com as lições de casa, quando seus olhinhos curiosos se fixam em mim para atender o conselho que digo, quando ela me fala dos seus sonhos, dos seus temores, dos seus probleminhas de criança, quando ela entra em meu escritório com seu pijaminha rosa e me abraça dizendo um “boa noite” mais meigo do que a luz da Lua que então ilumina a janela, esse pensamento horrível, impiedoso e repulsivo sai das sombras e sussurra para mim com voz lúgubre: “A Lu é só matéria; um aglomerado de músculos, nervos e tecidos; só matéria fria e nada mais”.
Um católico me disse certa vez que há um compartimento no inferno reservado somente para ateus. Penso, contudo, que o meu inferno e o de todos os ateus é esse: a visita eventual, involuntária, mas inevitável, aos corredores macabros de uma realidade seca, cinzenta, sem sentido nenhum que, afinal, desemboca no nada. Se existe outro inferno além desse... Não...  Não pode ser... Seria totalmente absurdo. Outro inferno seria o zênite da irracionalidade. Seja como for, se é tolice ou não, tenho que conviver com mais uma incerteza. Se eu estiver certo, quem crê em Deus não perde nada. No final tudo acaba no vazio e pronto. Se, contudo, a verdade estiver com quem crê em Deus, então eu estarei realmente perdido. Eu e a Lu.
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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