RÁDIO GOSPEL

              

 

 

 

 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

AS CONFISSÕES DE UM ATEU SINCERO (PARTE 2)


O robustecimento do meu ateísmo nunca foi tão intenso como no tempo em que cursei a faculdade de biologia. Ali eu me sentia em casa, especialmente durante as aulas que destacavam algum aspecto da teoria da evolução das espécies. Eu sei que aceitar o evolucionismo não implica necessariamente ser ateu. Na verdade, na universidade eu conheci muita gente que era fã de Darwin e ainda assim cria em Deus. Contudo, o fato é que o evolucionismo servia, até certo ponto, de apoio lógico e científico para a negação da divindade e isso dava mais garantias ao meu ateísmo, fazendo-me sentir mais convicto. No princípio, essa convicção se mostrou muito forte — mesmo com aquela “voz” dentro de mim ainda sussurrando algumas palavras de vez em quando — e eu sorria contente e seguro cada vez que ouvia os argumentos imbatíveis da ciência em prol do darwinismo.
Essa segurança, porém, pelo que vejo hoje, foi somente uma espécie de entusiasmo infantil — uma vibração tardia própria do adolescente ingênuo que fica boquiaberto diante de descobertas fantásticas e “fatos comprovados”, até perceber que as provas de aço que tanto o encantam não são tão fortes assim. 
Com efeito, meu encanto pelo darwinismo começou a se esfarelar precisamente numa aula da matéria denominada Processos Evolutivos, que tive em meu quarto semestre. Não que essa matéria fosse ruim. Muito pelo contrário. Nosso professor era dinâmico, divertido e dominava muito bem o assunto. Na verdade, o fato de o professor ser tão bom só piorou as coisas pra mim. Bem, seja como for, o que aconteceu ficou restrito a uma aula apenas, mas foi suficiente para gerar um incômodo que persiste em minha mente até hoje.
Ocorreu o seguinte: durante a tal aula, o nosso sábio e brilhante mestre expôs um quadro em que havia diversas figuras de animais conectadas por grandes setas azuis. Essas setas indicavam a sequência do processo evolutivo. Uma delas partia de um peixe e chegava a um lagarto; outra partia desse lagarto e chegava a um rato; outra, ainda, partindo do mesmo lagarto, chegava também a uma ave e assim por diante. O quadro mostrava as setas em várias ramificações e na extremidade de uma dessas ramificações estava a figura de um ser humano.
O objetivo do professor não era explicar o quadro que já era bem familiar até pra quem nunca tinha pisado uma faculdade. Ele apenas o estava usando para se referir à cadeia evolutiva em geral, mesmo porque ficar explicando cada passo dos processos de mutação seria insuportável para qualquer aluno. Assim, sem se deter muito naquele gráfico, ele estava prestes a dar seguimento à matéria quando um colega, o Luiz Carlos, pediu pra fazer uma pergunta. Naquela época, a pergunta que ele fez me pareceu a mais tola de todas que eu já tinha ouvido na faculdade: “O que são essas setas azuis?”.
A classe riu com aquela habitual indiscrição que reina no meio universitário e o professor explicou, suspirando, que as setas, “obviamente”, eram indicadores do curso da evolução biológica. Então o Luiz fez outra pergunta, dessa vez não tão boba: “Não seria melhor que no lugar das setas fossem colocadas figuras de animais em fase de transição? Sei lá... Talvez um peixe com pernas de lagarto ou um lagarto com asas de garça. Note aquela seta que sai da baleia e chega ao hipopótamo. Não deveria haver no lugar da seta um ‘balopótamo’? Afinal de contas, animas assim em mutação devem ter deixado milhares ou até milhões de fósseis, não é? Por que não colocar a figura deles aí em vez das setas?”.
A pergunta tinha sido feita numa linguagem de boteco. Não era nada acadêmica, nem tampouco soava científica ou intelectual, mas devo confessar que ela me fez pensar pela primeira vez em algo que nunca nenhum professor havia ainda explicado: onde estavam os fósseis dos diversos animais que foram deixados no rastro da evolução? Considerando a amplitude desse fenômeno e os milhões de anos ao longo dos quais as mutações se processaram, certamente deveriam existir milhões de fósseis de “balopótamo”, além de “lagarças” e “sapoelhos”.
Segundo imaginei, aquela questão não representaria nenhum problema para o meu professor. Ele tinha grau de doutorado! Sem dúvida, seria fácil pra ele responder uma pergunta tão simples. Ah, que decepção eu tive naquele dia! O professor, não querendo se deter no assunto (não era o tema da aula, dizia ele), afirmou que a ciência ainda não havia descoberto os tais fósseis (nenhum sequer!), mas que era só uma questão de tempo. Por enquanto, disse, tínhamos de nos contentar com as setas azuis. Em outras palavras, nossa crença na evolução estava mais baseada na tarefa de um desenhista de flechinhas do que nas pesquisas de arqueólogos e de outros cientistas renomados!
Tudo isso causou certa comoção na classe. Alguns alunos ficaram irritados com o Luiz, perguntando aonde ele queria chegar com aquelas questões; outros, do tipo dos que gostam de ver o professor em apuros, pressionaram o mestre ainda mais, dizendo a seu modo que se não existiam fósseis de “balopótamos” ou outros do gênero, então a evolução era somente uma proposta criativa e não uma realidade cientificamente comprovada. Afinal —protestavam —, depois de tanto tempo não era para terem achado apenas uma, mas milhares de amostras de animais em transição. 
O professor, visivelmente impaciente, disse que cientistas modernos estavam explicando essas “lacunas no registro fóssil” por meio da teoria de que a evolução se deu aos saltos, sem a necessidade de elos de transição entre ratos e aves, por exemplo. Isso, contudo, só piorou a situação dentro da classe, pois deu a entender a alguns alunos (inclusive eu) que os cientistas se livravam dos seus problemas com a evolução não por meio de pesquisas, mas inventando novas teorias sem nenhum fundamento objetivo. Aí ficava fácil pra eles!
É... o Luiz nunca foi um aluno brilhante, mas reconheço que com um simples peteleco ele fez estremecer a grande muralha que eu usava para proteger meu ateísmo. Eu continuei sendo evolucionista, é claro. Que outra opção eu tenho como ateu? Mas, agora, defendo Darwin com um entusiasmo bem menor. De fato, hoje, como professor de Biologia no colégio, uso quadros bem parecidos com aquele que meu velho mestre expôs naquele dia. São quadros mais bonitos, modernos e benfeitos, mas as setas continuam lá, fazendo ribombar na minha cabeça a pergunta chata daquele aluno medíocre.
Li uma reportagem no site da Time, há cerca de dois anos (em junho de 2012), que dizia que na Coréia do Sul, país detentor do melhor sistema educacional do mundo, a teoria da evolução foi banida dos livros escolares. Será que o Luiz andou fazendo perguntas por lá? Não sei! O que eu sei (descobri mais tarde) é que aquele maldito desmancha-prazeres era cristão (eu devia ter desconfiado!), o tipo de gente que acredita em algo sem nenhuma evidência, só porque está escrito num livro de capa preta. Agora, quando vejo as setas nos meus gráficos, sou forçado a reconhecer que sou um pouco semelhante a ele. Confesso que eu também acredito em certas coisas sem nenhuma evidência, só porque estão escritas em livros... A diferença é que são de capa colorida.
(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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